segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Página 22

Eu estava envolvido por uma energia mais que acolhedora, após o abraço de Cobra Coral, algo que não sabia explicar, como que nascia em meu coração um sentimento fraterno de amor. Ele foi o primeiro a falar: – Ortêncio, meu amigo querido, que as flechas de Oxossi te protejam e te iluminem nessa nova tarefa! Estamos felizes por sua volta e mais ainda por fazermos parte dessa primeira etapa do seu trabalho. Respondi emocionado: – Feliz me encontro eu, amigos, por ter aqui do outro lado da vida espíritos que o tempo todo vibraram por minha caminhada na terra. Desta vez foi o índio pena branca quem falou: – Acompanhamos, amigo Pajé, sua caminhada terrena e seus esforços para se manter na direção do bem. Choramos com suas derrotas e comemoramos pelo seu aprendizado com elas. – Vejo pela empolgação de vocês que nem precisarei fazer um convite formal para que os amigos participem de nossa comitiva. –disse João, em tom descontraído. –Nunca diríamos não para um convite seu, pai João, que tanto tem feito por nós. A esta altura eu já estava observando o que naquele laboratório acontecia e perguntei: – Por que há tantas ervas sendo estudadas e manipuladas por aqui? – Este laboratório, meu amigo, é exclusivo para a preparação de remédios para o espírito. Lógico que intuímos cientistas da carne para o estudo desse material também, mas isso é feito em outro departamento. – disse pena branca. –Mas por que a necessidade de um remédio quase físico para espíritos que já não possuem carne foi a vez de Humberto perguntar. – Os espíritos atendidos com estes medicamentos estão em baixa vibração e com seus perispíritos completamente tomados por doenças físicas e psíquicas, assim, a prece e o passe magnético, apesar de serem de grande ajuda, teriam efeitos muito demorados – disse João. – Então, você quer me dizer que os remédios, além de tudo, têm também um efeito psicológico? – falou Humberto surpreso. – Isso mesmo, meu amigo, os espíritos precisam ver o medicamento fazendo efeito e agindo no seu perispírito para que acreditem que estão melhorando. Isso ocorre por causa de nossa pouca fé, quantos de nós não precisamos ainda ver para crer? Como disse Jesus feliz do homem que acredita sem ver, meus amigos! – disse Henrique. E completou: – Sei que muito temos que aprender aqui, mas nosso tempo é curto e gostaria que os amigos ainda vissem outro departamento desta Legião. Despedimo-nos de Cobra Coral. Pena Branca era quem nos acompanharia e seria nosso guia no território dessa Legião surpreendente. Passamos pelo galpão da cura, eu reforcei meus votos de um dia voltar para devolver todo o carinho que eu havia recebido ali. E eis que, olhando mais uma vez para me despedir do lugar, o meu coração se encheu de desespero: em uma das camas, em completa agonia, estava um dos filhos do meu terreiro. Ele me olhou com um olhar acusador e eu chorava, pois, como um filho ensinado por mim seu guia espiritual na terra estaria ali? Ao me ver o pobre espírito se encheu de ira e agonia, acusava-me por sua má sorte e dizia: – Velho Ortêncio, como você me deixou chegar a este estado? Como? Velho! Eu que tanto trabalhei ao seu lado, eu que acendia minhas velas e entregava minhas orações a oxalá. Enquanto falava, sangue saia por sua boca. Enquanto falava, notei que seu corpo estava perfurado pelo que percebi serem perfurações de balas. Acalme-se amigo! Você não está neste estado minha culpa e nem por culpa dos nossos orixás. O pior já passou e agora tudo ficará bem. – disse com a voz embargada. – Velho Ortêncio, por que estou aqui? O que fiz para merecer isso? Me tire daqui, por favor! – ele gritava. – Apenas você pode se ajudar filho, tenha calma e ore a Deus. Com o tempo, todas as suas perguntas terão respostas. Agora, o importante é que você se recupere, para logo estarmos juntos. Nenhum dos que me acompanhavam falaram algo, apenas olhavam aquela cena. Eu queria abraçá-lo, aliviar a dor daquele que me seguia quando eu estava na carne, mas Henrique segurou nos meus braços e foi me retirando de perto daquele espírito que continuava a gritar e me acusar. Demorei algum tempo para me recompor, até que João disse: Ortêncio já é difícil carregar nossas cruzes, não tente carregar a de outros também. Eu, indignado com o comentário, disse: – Como, você, um espírito evoluído, pode dizer isso? Ele está sofrendo por minha causa e mesmo agora eu nada pude fazer. João continuava a me olhar com carinho e disse: – Ortêncio não é por sua causa que nosso irmão se encontra naquele estado. Você se acha tão importante assim? Porém, amigo, Deus é um ser de bondade infinita e nos dá a oportunidade de aprender sempre. Nosso amigo está tendo a dele, pois o que adianta ser um bom religioso, seguir as filosofias de centros e igrejas e não colocá-las em prática. Qual melhor mestre do que Jesus foi e é para a humanidade e olhe para ela como está Diga-me Ortêncio, perto de Jesus, quem somos nós? Ainda mais para querermos carregar a culpa daqueles que precisam, como nós, aprender? Jesus não se abateu e continuou ensinando e trabalhando para o melhor, mesmo vendo que depois de seus ensinamentos muitos ainda continuaram sem entender e a viver na ignorância e você, Ortêncio, se acha melhor que Jesus? Irá se encher de culpas e parar no caminho? A escolha é sua, pois, mais do que antes, o espírito daquela cama precisa de um exemplo, de alguém que caminhe e que siga com compaixão, para que assim ele também o faça e não de alguém que queira dividir culpas. Eu chorava de arrependimento, vergonha e tantos outros sentimentos que eu não saberia explicar, mas entendi o que João falara. Ele, então, me abraçou e me disse: – Temos que ir amigo...

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