segunda-feira, 30 de março de 2015

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Eu saíra daquela reunião apreensivo. E por mais que a equipe de mensageiros demonstrasse estar confiante, algo em mim me remetia ao medo de, mais uma vez, estar prestes a encontrar seres que fazem de tudo para levar adiante seu ideal contra o Cristo. Evidentemente, eu não fora nenhuma vítima quando estive em contato com tais pessoas e apenas fui colher ali aquilo que havia plantado em minhas existências anteriores e, pela misericórdia divina, aquele inferno a que me ative pôde até ser de grande ajuda. Percebendo minhas indagações, o guardião Felipe foi o primeiro a falar: - Ortêncio, quem trabalha na seara do Cristo pode sim ter medo, mas nunca duvida que o socorro virá. Em muitas situações que vivemos no astral, tudo parece perdido para nós espíritos que somos ainda filhos, mas não para o plano maior, que não faz curvas ou mesmo não se afrouxa para atender àquele "melhor" ou para punir qualquer outro, tudo segue o curso natural das coisas. A esta altura, já estávamos no terceiro andar de uma das torres da Colônia e batemos em uma grande porta. O local que se apresentou por trás da porta mais uma vez revelava um contraste entre o que se vira nos corredores e o que tais salas e departamentos mostravam em seu interior. Ali, um exótico ser nos sorriu e confesso que não fiquei muito à-vontade diante de um espírito grande, careca, com um traje sujo do que me pareceu ser graxa ou um tipo de gosma. Seu sorriso era amarelado e o olhar distante. Foi Soraia quem nos apresentou aquele ser incomum. - Que Jesus esteja conosco, Jacob - disse ela. - Que assim seja. - disse a voz rouca do homem. - Como anda o trabalho por aqui? - Lento mas produtivo, minha amiga. Afinal, não é fácil lidar com tais apetrechos. Ao abrir a porta completamente para que entrássemos, nos deparamos com um grande galpão contendo dezenas de balcões. As luminárias que desciam do alto do teto eram direcionadas para cada um dos  balções. Assim, deixavam os corredores do local a meia luz, enquanto as áreas de trabalho permaneciam bem iluminadas. Começamos a andar entre aqueles postos de trabalho, onde tarefeiros desmontavam peças ou faziam experimentos. Em alguns dos balcões, que tive oportunidade de ver de perto, funcionavam pequenos laboratórios onde insetos eram examinados, assim como chips e armas. Tudo ali era estudado, catalogado. Quase não fomos percebidos pelos examinadores que pareciam em transe durante o trabalho. - Esta área - disse Jacob - é onde estudamos e analisamos a evolução do mal, tudo que é capturado com os seres das trevas vem para este centro de estudos, onde descobrimos como funcionam tais aparelhos ou armas e com que finalidade para, então, também desenvolvermos outros aparelhos e/ou estratégias para combater tais tecnologias. Foi Humberto quem fez a primeira pergunta: - Mas os missionários de Deus não são intuídos para já saberem de imediato o funcionamento de tais coisas quando se deparam com elas? O ser riu e nos disse: - O que você acredita ser apenas uma espécie de "dom divino", amigo, nós chamamos de trabalho. O que acontece entre as equipes de socorro nessa Colônia. Existe uma base de controle com especialistas de várias áreas, tal base está em contato direto com todos os que estão lá fora em campo. Quando surge uma situação na qual o socorrista não é especialista na compreensão do fenômeno, ele, lá onde estiver, é ajudado pelo especialista desta base. É para esta finalidade que precisamos formar especialistas e pessoas dispostas a aprender e principalmente a ajudar o outro. - E qual tem sido o maior desafio que vocês vêm enfrentando, Jacob? - perguntei. - Os implantes de chips. São essas as técnicas mais utilizadas por ora pelos seres das trevas e eles vêm cada dia mais se especializando nessa área. Muitos desses aparelhos passam despercebidos pelos encarnados. Porém, novas armas vêm sendo criadas e hoje o grande desafio são os vírus e que estão sendo testados pelo mal. - Vírus? - perguntei surpreso. - Sim, é mais fácil de implantar que os chips, porém não são tão eficientes ainda... - A verdade, é que se os encarnados não iniciarem uma profunda reflexão a respeito do que realmente é ser cristão e, enfim, aceitarem que a vida extrafísica é muito mais do que ser um bom religioso, em breve, teremos grandes problemas - completou Soraia em tom irônico. Mas, Soraia me intrigava com sua postura séria e questionadora, então, resolvi correr o risco de questioná-la: - Soraia, sei que seu trabalho nessa Colônia exige uma certa seriedade, mas você me parece muito rígida e até dura com as palavras... A única coisa que ouvi por alguns segundos foi o riso do preto velho João Guiné. - Tenho a postura necessária para o meu trabalho, Mensageiro, o que os encarnados esperam da espiritualidade nem sempre é aquilo que a espiritualidade pode dar. Como seria bom se só tivéssemos mensagens lindas e espíritos evoluídos, e que as cidades espirituais fossem constituídas apenas de lindos jardins e de discussões filosóficas, mas isso aqui é o mundo real, aqui discutimos, temos ideias contrárias, analisamos, e aprendemos que nada disso é falta de amor e sim, pelo contrário, isso é amor ao próximo. Queremos dar nosso melhor pela causa do Cristo. Pode lhe parecer que eu sou de oposição, mas não sou. Apesar de eu já ter trabalhado para o mal, pois acordei na vida espiritual decidida a acabar com o Cristianismo, que havia tirado meus pais de mim. Eles viviam pela santa Igreja e, no meu egoísmo, interpretei que eu fora deixada esquecida. Jovem ainda, desencarnei vítima da tuberculose que assombrou a Europa e  isso só me fez ficar mais cega de ódio. Assim, por quase um século ajudei as legiões maléficas a espalharem o mal na vida de chefes religiosos até reencontrar Frederico, que fora meu pai em uma de minhas passagens pela terra, e ele me mostrou o verdadeiro caminho. Hoje, o que faço com afinco é resgatar aqueles que eu, no passado, contribuí, mesmo que com uma pequena parcela, a levar para escuridão. Os olhos da moça se encheram de lágrimas, quando então disse o Preto Velho, com a sabedoria de um pai: - Fios, todos nós temos os nossos desafios e nossa maneira de lidar com isso, que possamos aprender a respeitar a individualidade do espírito e saber que na seara do pai todos são importantes...

segunda-feira, 23 de março de 2015

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Caminhamos pelos corredores da Colônia em silêncio, pensando no que havia nos acontecido. Uma mistura de felicidade e de decepção invadia meu ser, pois eu queria muito ter mais conhecimento para novas viagens astrais. Felipe, o guardião, sempre sincero, quebrou o silêncio: - O que você faria agora com tal capacidade suplementar, Ortêncio? - A desperdiçaria e a usaria em momentos e em lugares desnecessários - eu ia retrucar, mas o guardião não me deu tempo para tal e continuou: - O conhecimento traz grandes responsabilidade para as quais muitos espíritos ainda não estão preparados e, com isso, podem criar mais problemas do que promover soluções na espiritualidade. Aliás, já existe há tempos tecnologias que só estão chegando agora à terra e mesmo assim o povo da carne as utilizam de maneira errônea e, com isso, acabam deixando de lado o verdadeiro propósito de tal utilização. Então, velho mensageiro, cuidado, pois ter conhecimento é uma coisa e ser sábio é outra... - De qual tipo de tecnologia o irmão fala? - perguntou Humberto. - Falo, principalmente, das telecomunicações. Apesar dessa ser apenas o primeiro degrau, olhem bem para o povo da carne, hoje, os homens se encontram fechados em seus mundos individuais, sem contato físico e energético com os seus, comunicam-se apenas a distância. Pois essa tecnologia existe no plano espiritual há mais ou menos uns quinhentos anos, e, quando foi liberada para facilitar a vida do homem na terra, ele se escravizou e se tornou dependente dela. As palavras do guardião me fizeram pensar em como eu usaria a técnica da viagem astral consciente e concluí que o amigo estava certo. A esta altura, já havíamos percorrido alguns corredores e, agora, subiríamos uma escadaria de pedra em formato de caracol. Logo estávamos em frente a uma pequena porta que ao se abrir nos mostrou uma enorme sala com mapas gigantes refletidos em telas. Ali, havia também várias mesas com equipamentos e controladores. Nela, tudo era muito organizado, lembrando uma sala terrestre de controle de voo. Nosso amigo Frederico estava de pé com sua equipe ao redor de uma mesa e que também refletia o mapa da região que iríamos trabalhar. Em torno de tal mesa de quase três metros de comprimento, havia pessoas ainda desconhecidas para nós. Ao nos aproximarmos,  os cumprimentos foram formais e Frederico disse-nos: - Que Jesus, nosso mestre  e guia, possa nos orientar da menor maneira para que possamos realizar essa tarefa com êxito. Colocando a mão sobre esta mesa, pontos luminosos de várias cores se acendem sobre o mapa - e ele continuou - os pontos vermelhos pequenos são as defesas da cidade umbralina que, como podem ver, são muitos, já os pontos verdes, quase apagados, são nossos irmãos que nos ajudam com as informações que, graças a esses postos, podemos ter da região. Os pontos em amarelo são os laboratórios e esse grande em roxo, ao centro, é o prédio central, aonde vocês terão que chegar para o encontro com Inácio. E sem sequer perceber, eu iria quebrar toda a formalidade daquela reunião, dizendo: - Como assim? Vocês estão de brincadeira que teremos que atravessar metade da cidade com quase vinte postos de vigia até chegar a tal reunião! Valei-me nossa senhora! - E quem aqui está de brincadeira, mensageiro? - disse uma mulher  morena de olhos verdes trajando uma roupa militar. Eu fiquei envergonhado, mas ela puxou o coro de risadas que logo também me contagiaria. Logo após tal descontração, ela voltou a falar: - Meu nome é Soraia. Sou responsável pelas equipes de expedição à cidade Nova Geração e quando tomei conhecimento do planos de vocês tive a mesma reação de Ortêncio, pois apesar de nossos avanços em promover expedições de socorro, nunca fomos tão longe e não sabemos o impacto que essa ação de vocês pode causar, tanto para o positivo quanto para o negativo. Por isso que nossa pergunta é: senhor João Guiné qual o objetivo de vocês? O tom de Soraia já não era tão amistoso e a mim pareceu soar até meio ameaçador. O Preto Velho, com sua calma de sempre, respondeu: - Fia, o nosso objetivo é levar a Inácio o recado dos espíritos superiores e tentar, através do diálogo, mostrar-lhe que o seu tempo está acabando e negociarmos a liberdade dos que vive cativo nessas região. - O senhor conhece esse ser que, aliás, almeja ser um dragão um dia, senhor João? - Sim, minha fia, conheço este fio de Deus que logo terá a chance de se purificar com a benção da carne. Sei de suas pretensões e conheço os planos de Inácio de atacar com afinco a pátria do evangelho. - E mesmo assim o senhor pretende levar sua equipe até lá para conversar? Há anos estamos tentamos isso e a recusa dele ao diálogo vem nos causando sérios transtornos. E o senhor, do dia para noite, chega aqui pondo em risco anos de trabalho, podendo até criar com isso uma guerra no astral. - Fia, conheço seu trabalho e não apenas o respeitamos como também o admiramos. A espiritualidade maior reconhece não só os seus serviços, mas também o de toda esta colônia, pois o que seria ou como estaria esta zona do astral sem este grande trabalho de vocês? Estamos aqui para ajudar, fia, e faremos o possível para que a luz de Deus ilumine este local, mas para isso, fia, precisamos de sua ajuda e de seus conhecimentos, pois a fia sabe da sua responsabilidade com o mais alto e de sua promessa com o povo de Aruanda e, ao ouvir essas palavras finais do Preto Velho, os olhos da jovem Soraia marejaram e ela respondeu: - Que Jesus nos abençoe e que a sabedoria de Xangô nos guie, e as lanças de Ogum nos protejam, Pai João Guiné. Por algumas horas ficaríamos ainda ali e ficou estabelecido que em 12 horas partiríamos para nossa missão com dois veículos: o funcional e o hospitalar. Esse segundo não entraria na cidade, permaneceria em suas fronteiras para assim fazer, de modo mais eficaz, o socorro daqueles que nós conseguíssemos proteger. Porém, antes de nossa partida, conheceríamos um pouco mais de Soraia e faríamos descobertas que surpreenderiam a cada um de nós...

segunda-feira, 16 de março de 2015

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Assim que entramos no grande castelo daquela colônia, não sentimos mais frio e a energia mudou completamente. Ali, o sentimento de acolhimento era tão grande que chegava a nos emocionar. Caminhamos por um enorme corredor e eu me perguntava aonde ele nos levaria, enquanto escadas e portas eram vistos a cada dez passos nossos. Tudo era muito rústico, porém também aqui mais uma vez a tecnologia concomitante me assombrava. Havia pessoas de branco e usando faixas de cores diversas e que caminhavam de um lado para o outro. Apesar dos sorrisos no olhar - pois aqueles seres traziam a alegria na alma e não no rosto - foi seu silêncio que mais me chamou a atenção. Chegamos em frente a uma porta que, ao se abrir, nos apresentaria uma ala para visitantes com quartos individuais já preparados para o nosso descanso. Foi Augusto quem nos falou: - Amigos, logo após o vosso descanso, voltarei aqui para melhor mostrar a vocês nosso trabalho e discutirmos como faremos parte do trabalho de vocês. Até mais! - Por que precisamos descansar já que não temos corpo físico? Será que ele não percebeu que somos espíritos desencarnados? - perguntei em tom irônico. Foi João Guiné quem me respondeu: - Fio, quem lhe disse que espírito desencarnado não precisa refazer as energias? Estamos há dias viajando, em uma zona de baixa vibração, logo, é importante para o corpo perispiritual  se refazer, já que aqui é mais difícil encontrar fontes de energia que façam isso por si sós. - E de que tipo de fonte o irmão esta falando? - perguntou Humberto. - Da luz solar, das energias da natureza, a água, o ar puro, as plantas: essas fontes com suas respectivas energias e que nos alimentam sem que percebamos. - Mas, esse refazimento energético não pode ser feito com o que acumulamos de boas energias, de bons atos e pensamentos, irmão? - Sim, fio Humberto, mas em um local como este, de onde tiraríamos tais energias? Acabaríamos, sem descanso, sobrecarregando essa nossa fonte que precisa ser carregada, pois o espírito precisa alimentar a sua roupagem fluídica. Apesar de ela própria ser fonte de luz inesgotável,nós, porém, ainda não sabemos utilizá-la como realmente deveríamos, por isso é que há necessidade desse descanso. Dito isso, cada um de nós entrou em seu quarto. Eu ainda me perguntava a respeito de como saberíamos quando chegasse o horário em que novamente nos encontraríamos. Ao abrir a porta do meu aposento, tive um imenso susto: o local era banhado por uma luz natural que eu não saberia dizer de onde vinha. Encontrei numa mesa simples um caldo à minha espera. Já a cama parecia uma cápsula espacial que se fechou assim que me deitei, enquanto luzes solares banhavam meu corpo fluídico e o alimentavam de energias benéficas. Não tenho certeza de quanto tempo fiquei ali sendo energizado, mas ao acordar recordei-me de ter sonhado com a minha Aruanda: suas ruas, os prédios, as casas e o campo de esclarecimento, o que me encheu de alegria. Ao me levantar, mais uma vez o alimento me esperava na pequena mesa. Logo acima da cápsula ou cama uma tela se iluminou, revelando a imagem de Frederico, Catarina e Francisca que se encontravam juntos em uma sala. - Fico alegre, meus amigos de Aruanda, por estarem refeitos de sua viagem. Augusto os aguarda para assim começarmos nosso trabalho. - disse um deles. Então, a tela se apagou e saímos de nossos quartos. O sorriso de Humberto me surpreendeu, mas logo nosso amigo protestante disse-nos: - Glória a Deus! João Guiné e povo de Aruanda, agradeço por vocês, aqueles que antes, quando estive na carne, eu achava que eram uns ignorantes, agradeço por me proporcionarem experiências tão enriquecedoras, a mim que, hoje sei, sou ainda um ser tão ignorante. - Ir a sua cidade espiritual fez bem a você, fio. - respondeu João Guiné. E, então, caiu minha ficha. Eu não havia sonhado com Aruanda. Eu estivera lá! Imediatamente, lágrimas molharam meu rosto. - Por que choras, Ortêncio? Por não ter percebido o que ocorrera comigo, Felipe, e, portanto, ter perdido a oportunidade... - Quem disse, Mensageiro, que você perdeu a oportunidade? O que acontece quando o corpo físico dorme, Ortêncio? - perguntou o guardião. Se, então, o Espírito se liberta e busca usufruir dessa liberdade mesmo que temporária, e isso, ainda que a maioria dos desencarnados nem se deem conta disso, o mesmo não seria diferente com o corpo fluídico. Esse, quando em repouso, deixa o Espírito livre para ir buscar energia aonde, como no caso, você pudesse se sentir mais seguro. Estar ou não consciente nesse momento dependerá de vários fatores e, principalmente, no caso de vocês que viajam em zonas escuras pela primeira vez. Acalme-se que logo teremos outras oportunidades para treinarmos sua consciência em tais circunstâncias. Após a fala do guardião, seguimos Augusto para a nossa reunião com o comando daquela colônia... 

segunda-feira, 9 de março de 2015

Página 60

A cada hora, minuto ou segundo que passava, sentíamos o ar ficar cada vez mais pesado. Começáramos a senti-lo como se ele fora o frio encarnado. Também me incomodava muito um tipo de poeira cinzenta que, mesmo caindo lá fora, deixava o local mais assustador. Assim, víamos cobertos por essa poeira, árvores sem vida, prédios demolidos e em estado deplorável, tudo isso formava o cenário de um local absolutamente deserto. Nosso veículo era apenas seguido pelo veículo da equipe de Maria, mas quase não sentíamos as energias dos tripulantes de apoio. Viajamos por essa paisagem assustadora por algumas horas, até que, como que surgindo do nada, uma grande fortaleza se abriu a nossa frente. Seus muros feitos todos de pedras mediam quase cinco metros de altura e, por trás deles, encontrava-se um grande castelo ou igreja - de longe eu não sabia diferenciar. Espíritos de branco com coletes dourados faziam a vigia em guaritas sobre a muralha. Mas vigiar o quê e por quê, em um local que, ao menos para meu olhar, encontrava-se sem vida e, ainda, o que fazia afinal aquela fortaleza em local tão afastado da crosta terrestre? Essas eram as minhas indagações, que com o tempo seriam respondidas, mesmo sem que eu as verbalizasse. O grande portão de madeira se levantara lentamente e nossos veículos passaram suavemente por ele. O local também não era bonito, ou seja, por trás dos muros a paisagem não mudara, ali continuava frio e escuro e as cinzas caiam como uma fina garoa. O castelo ficava a quase cem metros da muralha, sua escadaria de pedras e um pátio nos davam a impressão de que estávamos em um castelo europeu. Nas escadas, uma pequena comitiva de boas-vindas: três homens e duas mulheres, todos vestidos de calças e batas brancas. Um deles trazia na cintura uma faixa dourada, os outros quatro usavam tais faixas na cor azul claro. Nossos veículos pararam a poucos metros da escada, descemos calmamente e o homem de faixa dourada, um negro alto de sorriso iluminado e olhos escuros como jabuticaba, disse-nos: - Que o manto de Maria cubra a cada um de vocês e que a misericórdia divina esteja com todos nós. Foi João quem respondeu: - Que assim seja, meus amigos. Será que nesse recanto de amor e de paz, iluminado pelo amor do Cristo Jesus, há um lugar para esses pobres fios de Deus descansarem? O homem sorriu gostosamente e respondeu: - João Guiné, seu velho mandingueiro, quando foi que você não encontrou abrigo na casa do pai? Sejam bem-vindos a nossa casa, Mensageiros de Aruanda. Subimos as escadas e fomos recebidos com calorosos abraços por todos. - Meu nome é Frederico, diretor deste local de socorro. Estes são, Augusto, Alexandre, Francisca e Catarina, responsáveis pela estadia de vocês aqui. - Perdoe-me o atrevimento Frederico, mas não há nenhuma placa ou informe do nome da colônia de vocês em nenhum local. Aonde estamos? - perguntou Humberto. - Estão na casa do pai e isso basta, não é mesmo? - Mas por que o anonimato? - insistiu Humberto. Vocês não serão os primeiros ou os últimos a falarem desse local de socorro. Na verdade, desde há muito tempo, médiuns recebem notícias desse local e cada um lhe dá o nome que prefere e isso nos deixa muito felizes. Não precisamos de um rótulo e por isso não o temos. O mais alto acha injusto rotular o último ponto de apoio antes de se adentrar a uma região tão sofrida. Aqui abrigamos todos os viajantes, socorristas, estudiosos e ainda espíritos ignorantes, antes de serem levados a outras cidades espirituais, por isso chamamos este local de colônia e não de cidade. Estamos aqui há muito tempo, abrigando e sendo o farol daqueles que precisam se orientar na escuridão. Frederico apontou para o que eu achara ser uma das torres do local e que, no entanto, era mesmo um farol iluminado, orientando a direção àqueles que iam buscar na escuridão a luz do amor e da verdadeira abnegação ao Pai celestial e, por alguns segundos, debaixo daquela garoa de cinzas, eu fiquei admirando aquela luz prateada, brilhando como uma estrela solitária...



domingo, 1 de março de 2015

Página 59

Vamos levantar o Cruzeiro de Jesus, vamos levantar o Cruzeiro de Jesus, do céu, do céu, do céu, a Santa Cruz... E foi assim, cantando essa música apenas em meu pensamento, que entrei no veículo que nos transportaria à cidade Nova Geração. Sei que meus companheiros ouviam tais pensamentos e eram contagiados pela música. Nossa equipe não era tão grande come eu pensara. Iriam nos acompanhar: Joana, que seria responsável pelos Cavaleiros de Ogum, os quais fariam nossa segurança, o jovem médico da Legião de Omolu, e, ainda, Inocêncio, Maria, os índios Pena Branca e Cobra Coral, o guardião Felipe, João Guiné, Humberto  e Henrique. Já no veículo hospitalar, comandado pela legião de Maria, aí sim havia uma equipe bem maior: eram quase trinta espíritos entre médicos e enfermeiros. A mim, Gloria me dera de presente um rosário branco que eu segurava entre as mãos. Os veículos começaram a se movimentar e o meu coração a bater mais forte. Lentamente atravessamos o recanto de auxílio Tupinambá. Os índios nos abriram os portões e, ao atravessá-los, estávamos novamente sobre a escuridão da mata e seus perigos. Para minha surpresa, os veículos não ganharam velocidade como de outras vezes e continuaram o caminho suavemente. Percebendo minhas indagações, Maria falou-nos: - Viajaremos por algum tempo assim para nos adaptarmos às energias dos locais que visitaremos, ainda faremos uma parada em outro ponto de socorro, para que nossos perispíritos não sofram com a mudança drástica de energias. - Pensei que espíritos do bem poderiam entrar em qualquer local - disse Humberto. - E podem, respondeu Felipe, contanto que se preparem para isso. Na verdade, ainda existem locais, nos planos astrais, apenas visitados por espíritos muito superiores a nós, ou seja, com alto grau de evolução, pois se assim não fosse lá se perderiam, tamanha força negativa ainda existente no universo. - A que tipo de espíritos o irmão se refere? Aos anjos, suponho. - disse Humberto. - Não uso tal palavra, porque compreendida assim, literalmente, amigo Humberto, ela seria mal entendida. Prefiro ir além da descrição de simples seres mitológicos, pois, "anjos e demônios", "espíritos evoluídos", todos esses são apenas títulos ou adjetivos que o alto usou para que em nossa capacidade intelectual, ainda tão medíocre, pudéssemos entender o amor ou a absurda falta dele. Eu prefiro chamá-los pelos seus nomes, como Maria de Nazaré, Bezerra de Meneses, Tereza de Calcutá e o próprio Cristo, pois são esses que vão ao encontro de seres chamados aqui de Demônio, acolá de Dragões, e sempre para levar-lhes o amor do Pai. É tempo de regeneração e esses seres sabem que seu tempo é curto e, agora, alguns deles reencarnaram, outros já se encontram na terra e precisam de forte vigilância. - Mas, seres tão perigosos como esses... não era melhor que ficassem em prisões no astral? - perguntei. Dessa vez, quem respondeu foi Henrique: - E onde estaria a justiça divina, Manoel, que condenaria uns à prisão eterna e daria a dádiva do recomeçar a outros? O progresso é e sempre será para todos, sem exceções. Assim, o plano de deus sempre estará trabalhando pelos seus filhos, independentemente de quem seja esse filho. Eu nem percebera que ganháramos velocidade, mas a mudança de cenário me chamou a atenção: já não estávamos mais sobre as matas e atravessávamos o oceano escuro. - Eu gostaria de mostrar algo aos fios, passemos à sala de conferência. - disse João Guiné. O veículo possuía uma grande sala que continha uma igualmente grande tela escura, onde logo se começou a projetar algumas cenas em nossa frente. Tratava-se inicialmente de episódios que se passaram no tempo das Cruzadas, o grande derramamento de sangue nos campos de batalha em nome da fé. A carnificina eram chocante. - Os fios precisam prestar mais atenção no que estão vendo. - disse o Preto Velho com uma voz triste, demonstrando que o que ele via o machucava muito, pois lágrimas molhavam o rosto de João Guiné. Concentrei-me naquela difícil cena de guerra e para o meu espanto o que vi foi assustador: uma segunda luta também era travada no plano espiritual, onde espíritos de luz, banhados de prata, tentavam socorrer aqueles que ali desencarnavam. Porém, espíritos, os quais aqui chamarei de espíritos das trevas porque desconheço outro nome para os mesmos, tentavam investir contra a ordem do Cristo, debruçando-se como animais por cima da caça abatida e assemelhando-se a vampiros retiravam os fluidos que ainda restavam nos corpos dos guerreiros inertes. Os socorristas usavam armas de luz que os atiravam parar longe, porém, eles se levantavam e continuavam com suas investidas. Os espíritos que acabavam de abandonar o corpo tinham reações diversas: alguns não percebiam que foram abatidos e levantavam lutando, entre esses percebi que uma parte conscientemente investia contra os socorristas, outros se deixavam levar pelos seus algozes, enquanto os mensageiros do cordeiro se desdobravam carregando centenas ou milhares de macas... A imagem, por fim, foi sumindo, lentamente o Preto Velho ainda com a voz embargada disse-nos: - Isso, fios meus, é apenas uma pequena parcela do que podem fazer o Dragões, ou qualquer que seja o nome que lhes queiram dar. Contudo, não adianta apenas culpá-los sem analisarmos as responsabilidades dos homens nesse processo destrutivo e isso deve ser feito com muito estudo, amor e sabedoria. Entraremos em contado direto com um subordinado dos seres que arquitetaram essa batalha. Pois bem, vejam o quanto estamos nos preparando, não porque somos inferiores ou superiores, pois tomar quaisquer dessas posições seria muito prejudicial a nossa missão, mas porque trabalhamos para que cenas como essa não façam mais parte da história da terra. A tela novamente se iluminou e agora já víamos a época de bombas e metralhadoras, porém o trabalho do bem era feito com o mesmo amor, incansável e inesgotavelmente..