domingo, 15 de junho de 2014

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O local era protegido por uma energia que misturava euforia, fé e gratidão. A equipe de socorro fazia a triagem ali mesmo na rua e muitos dos espíritos nem tinham contato com o interior do templo. Assim que Geralda terminou os cumprimentos, começou a nos explicar: – O culto de hoje é um culto de libertação, amigos, a maioria dos irmãos encarnados que aqui estão se veem envolvidos por problemas de todas as espécies e que, segundo eles, atrapalham suas vidas. Vamos intuir o pastor a falar sobre a vitória de Jesus. Enquanto isso, desse lado da vida, faremos o socorro daqueles que desejam ir para um lugar melhor e que quiserem se melhorar. Curioso, perguntei: – Como é feito esse socorro, Geralda?  – Os espíritos que aqui chegam, Ortêncio, vêm achando que são escravos do demônio, pois em sua maioria são religiosos que falharam em sua crença e, como todo ser humano, cometeram erros. Assim, nossa obrigação é fazer com que eles abram os olhos e despertem para uma nova realidade: a de que o Pai maior não os abandonou e, assim que eles escolherem outro caminho, eles serão acolhidos da melhor forma e terão a chance de uma nova vida. Porém, isso acaba sendo um trabalho de formiguinha, por vários motivos, mas o principal deles é o do orgulho religioso. Nós, quando encarnados, não vemos a religião como porta libertadora e caminho que leva a Deus e sim como verdade absoluta, que nos fará melhor que aqueles que praticam uma religião diferente da nossa. Assim sendo, quando despertamos no mundo onde as religiões são esquecidas e onde apenas aquilo que trazemos no coração é o que importa, sofremos um imenso choque. – Mas, as religiões não nos preparam para morte? – perguntou Humberto. – Este é um erro comum, as religiões foram criadas para nos aproximar de Deus e da vida, a morte não existe. O encarnado deve esquecer que um dia perderá o corpo físico e que deixará este mundo, pois ele apenas deixará o corpo mas não abandonara o planeta. Afinal, poucos espíritos têm condições morais de habitar planetas mais evoluídos. A maioria de nós ficaremos aqui por um bom tempo para aprendermos mais e mais e, assim, evoluirmos muito mais. Então, as religiões estão agindo errado? – perguntei. – Não as religiões, mas sim os religiosos, os que se dizem donos da verdade e ameaçam seus seguidores com penas eternas, ou idas para o umbral, ou para o paraíso ou ainda para colônias espirituais de luxo. Aonde você vai depois que morrer é o que menos importa! Quantos irmãos trabalham no “inferno” ou no umbral mais profundo e estão tão próximos de Deus, que o sentem, diariamente, apoiando sua missão ou ainda quantos estão em colônias espirituais lindas e se encontram revoltados e sem vontade de continuar a viver... Não é para onde se vai, mas como se vai e o quanto sua bagagem pesa em seus ombros: é isso o que importa. A verdade é que os cristãos querem ainda que Jesus carregue seus fardos e se colocam no direito de dizer que são os escolhidos, aqueles que caminham com Jesus, pois seu jugo é leve, mas fraquejam no primeiro obstáculo, quando se sentem injustiçados. As palavras de Geralda encontravam morada em nossos corações e nos levavam a refletir em muitas coisas. Felipe acrescentaria uma lição que me faria ainda ver os evangélicos com outros olhos: – Venha, Ortêncio, quero lhe mostrar alguém. Sentada em um dos bancos daquele templo religioso se encontrava uma das filhas do meu terreiro, agora um pouco mais velha. Ao lado dela sentara Bete, eu ainda ignorante tive apenas um pensamento, imediatamente repreendido pelo preto velho, João Guiné: – Não Ortêncio, esta filha do seu terreiro não está “traindo” o seu terreiro, mesmo que ele por um acaso ainda existisse, mesmo que você ainda estivesse na carne, pois o que foi que acabaste de ouvir da parte de Geralda? Então, eu me envergonhei por ter tido tal pensamento e passei a observar a mulher que orava e pedia a Deus assim: – Pai, sinto tanta falta do meu padrinho Ortêncio! Um homem tão bom, Pai, e que se foi tão cedo... Mas peço, Senhor, que o proteja, que ele descanse em seu sagrado seio, pois sei que ele era um enviado divino. Não consigo mais entrar em um terreiro, mas sei que o senhor está em todos os lugares, Pai, por isso estou aqui para ser consolada por ti, pois já não tenho meu padrinho e meu marido foi assassinado, Pai. Que o senhor e meu padrinho cuidem dele. Agora, eu estava aos prantos, pois sempre critiquei aqueles que mudavam de religião e, no entanto, nesse momento, entendia perfeitamente o que Geralda falara. Quando cheguei àquele templo divino, o culto acabara e muito prestativa Luíza fez amizade com Bete. Elas moravam próximas e iriam embora caminhando juntas. Parecia que as palavras do pastor haviam tocado Bete de alguma forma e ela estava mais tranquila e, assim, abrira uma brecha para a aproximação de seu mentor. Bete contara sua história à Luíza que a recomendara pensar bem, pois ela pagaria um preço alto caso tomasse tal decisão impensada. Olha Bete, eu sou do Candomblé. Eu estou aqui, hoje, orando por pessoas queridas e porque a saudade não me deixa ir a nenhum terreiro depois da morte do meu padrinho. Mas, ele sempre me dizia que quando fazemos o bem recebemos em dobro. Porém, quando fazemos o mal, a justiça de Deus vem pelas mãos de Jango, que cobra em triplo. Então, não faça isso, pois você pode se arrepender para sempre. Fiquei feliz em saber que Bete estava acordando finalmente. Seu estado exigia cuidados e uma equipe foi destinada a acompanhar seu caso. Ela continuaria seguindo a igreja e se tornaria amiga de Luíza, que mostraria à amiga que a religião é o caminho que nos aproxima de Deus e não nos deixa nos afastar daquilo que amamos. Não importa se isso é feito ao som dos tambores ou de hinos evangélicos, pelo estudo kardecista ou pela sagrada eucaristia. A religião deve nos preparar para vida, pois esta sempre irá continuar assim como nossa viagem. Portanto, nessa mesma noite, partimos da crosta terrestre e viajamos às profundezas terrestres, àquele lugar que, então, eu gostaria de nunca mais retornar. Porém, dessa vez eu não iria para ali como prisioneiro, mas sim como o carteiro do além e dali voltaria para relatar de forma diferente o que os meus olhos de mensageiro puderam ver...

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