sábado, 26 de abril de 2014

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Ficamos no local da consulta de Bete, observando o que ali acontecia, e nos perguntávamos como era possível que um bom médium se entregasse a tal trabalho. Foi Felipe quem primeiro nos respondeu: – Os encarnados, como os desencarnados, têm a opção de escolher a quem servir e como usar seus conhecimentos: é o seu livre arbítrio. Nós, diferentemente do que o povo da carne pensa, não podemos fazer nada quanto ao destino que cada um escreve para si mesmo, a não ser tentar inspirar tal pessoa da melhor forma e pedir que, um dia, aqueles que se encontram na escuridão possam ver a luz do Pai de misericórdia. – Mas, e os trabalhos de inteligência do plano espiritual e todos os socorros e desmanches de cidades voltadas para o mal, tais ações realizadas pelos amigos, isso já não é um grande avanço? – perguntei, ainda intrigado com o que Felipe havia falado.
– Sim, amigo Ortêncio! – respondeu o guardião – Porém, essa é só a menor parte do nosso trabalho. Mesmo que isso exija muito de todos os que nele estão envolvidos. Do que adianta as grandes missões se o maior objetivo não for alcançado, se os espíritos que estão em situação infeliz acabam recriando o cenário de dor e de ódio em outras esferas, e se também o povo da carne continua alimentando, com suas atitudes e pensamentos, esses seres do mal? – E o que faz, então, com que vocês continuem com um trabalho tão sacrificante? – perguntou Humberto. Dessa vez, quem respondeu foi o Preto Velho João Guiné: – Fio, se conseguimos em nossas missões retirar um desses seres da escuridão para a luz, já estamos no lucro! Nosso trabalho é o de formiguinhas, que a cada dia constroem com calma e trabalham sem parar para conquistar seu objetivo. Muitos desses seres que aqui vivem acham que apenas o lado ruim é quem faz o mal, mas nós também fazemos mal quando nos omitimos. Na verdade, muitos desses irmãos são comandados por seus líderes que obrigam que eles façam maldades e por isso vivem no medo. Nossa obrigação é levar o amor, seja nas grandes missões ou de maneira simples, mas sempre com coragem, de levantar a bandeira do amor e da caridade, sem nos importar se socorreremos 10 mil ou apenas 1 irmão: o importante é que aquele que seja socorrido receba verdadeiramente a luz e o amor do Cristo. Agora, precisamos trabalhar. Baixemos nossas vibrações e nos faremos visíveis aos irmãos que aqui estão e conversaremos com o seu líder para ver se por vontade própria ele libera alguns de seus escravos e, quem sabe, até mesmo ele possa deixar as trevas. Assim fizemos, depois de uma oração, começamos a ficar visíveis àqueles que nem desconfiavam de nossa presença ali. Todos nós surgimos com nossas vestimentas tradicionais: os índios surpreendiam pela beleza natural, Henrique apresentava-se com sua armadura de general, João parecia ter quase cem anos de idade, vestido de branco e apoiado em sua bengala, Humberto trajava um lindo terno cinza e eu apresentei-me com minhas vestimentas de chefe de terreiro. O tumulto foi generalizado, espíritos corriam e gritavam por todos os lados até que uma das portas se abriu e homens vestidos de negro e com lanças enferrujadas formaram um corredor que vinha em nossa direção. Entre eles, apresentava-se um homem vestido apenas de calça preta, descalço, e que era muito alto, tendo os olhos vermelhos e a pele negra, apresentou-se com uma espada na mão. Pelo corredor, vinha a passos largos em nossa direção. Parou a menos de um metro de João. A visão do pobre Preto Velho perto daquele gigante era assustadora e dava a impressão que nossa derrota era certa perante aqueles seres: – Como se atrevem a invadir minha casa, filhos do cordeiro? O que fazem aqui, sem serem convidados? – esbravejava o homem, com sua voz rouca e alta. – Oxi fio, quem disse que não fomos convidado a entrá em vossa casa? – disse o Preto Velho com calma. – Eu estou dizendo! Maldito velho, traidor das tradições! – Como o fio pode me acusar de algo, se nem conhece esse velho?  – Já vi e ouvi muito sobre os negros que renegaram suas origens e foram servir o cordeiro! Reconheço um traidor! – E o fio acha que eu deveria servir a quem? – Aos verdadeiros deuses da nossa religião, aos que eu sirvo, já que fomos escravizados por este povo do Cordeiro quando estávamos na carne.  – O fio falou bem, fomos escravizado pelo povo e não pelo Cordeiro. Já não estamos mais na carne e já não precisamos ser escravos, fio, o tempo do sofrimento já acabou. Mas, o fio insisti em ser escravo e escravizar. Me fala fio, o que te faz diferente daqueles que um dia te escravizaram? O homem soltou uma gargalhada que fez as paredes do local tremerem e disse: – Velho, eu sou a lei e estou punindo a cada um que me fez mal. Isso me faz diferente, não baixei a cabeça e não baixarei, enquanto toda a justiça não for cumprida! – Essa vossa justiça causa dor, meu fio! Olha em volta e veja como seus escravos estão! Veja o local que vocês vivem, em troca de prazeres tão passageiros, quanto sua própria justiça... Estamos aqui, não para aprisionarmos, mas sim para libertarmos cada um de vocês dessa escuridão, dessa dor e de tudo o que possa ser ruim. É a hora de evoluir e de deixar que a justiça do amor e da verdade seja realmente feita. – Eles não são meus escravos, velho, e estão aqui por que querem. Nenhum deles está aqui contra a vontade. Sem perceber o homem era manipulado por João. E como era bonito ver o Preto Velho trabalhar com tamanha sabedoria: – Isso é muito bom, fio, pois então aqueles que quiserem vir conosco poderão vir? Disse o preto velho com um sorriso no rosto. O chefe daquele lugar, então, percebeu a armadilha que caíra, mas agora já era tarde: ele entrara em um caminho sem volta. – Nenhum deles irá com vocês pois sabem o que é melhor para eles. Mas, claro, se você conseguir convencer alguém, eu deixarei tal pessoa ir, sem me opor. O Preto Velho voltou-se, então, para Humberto e disse-lhe: – Fio, fale de Jesus para eles.
Humberto deu um passo à frente e começou: – Queridos irmãos, sei que cada um de vocês tem seus motivos para aqui estar vivendo, nessas condições, diferentemente do que vocês pensam não os condenamos e muito menos Deus o faz, pois esta aqui é uma lição importante para todos nós. Porém, existem lugares mais adequados para que vocês se refaçam e, no tempo certo, busquem pela justiça. Tenho que ressaltar que a justiça de Deus é diferente dessa que vocês vivenciam por aqui. Ela é plena de amor, ela elimina todas as dores e faz o ódio cair por terra. Não há lugar para a escravidão e nem para o mal, pois a justiça de Deus é limpa, é sagrada e, principalmente, sem dores desnecessárias. Afinal, do que adianta uma justiça que nos afunda para a escuridão. O Reino do Senhor está aberto a cada um de vocês, ele já se abriu para nós, pois trabalhamos para o bem por vontade própria. Alguns aqui vieram da cidade de Aruanda. Lá estudaram e aprenderam e decidiram que dedicarão sua vida a Deus e aos verdadeiros espíritos de amor e caridade que são os Orixás. Portanto, não cometam o mesmo erro de quando estavam na carne criminalizando suas religiões. Nosso Deus está sempre disposto a nos oferecer o melhor, para cada um de nós. Não prometemos uma vida de plena felicidade ou o Paraíso, mas Jesus disse que todas as dores cessariam, todas as lágrimas secariam e que em um mundo de luz apenas o amor reinará, mas o caminho para isso é o do amor e o do perdão e do trabalho para nos tornamos espíritos melhores. Aqueles que sentirem em vossos corações que é hora de parar de sofrer e de realmente buscar o melhor, dê um passo à frente, pois estamos aqui para mostrar o caminho, sem qualquer repreensão. Eu estava fascinado pelas palavras do nosso amigo Pastor.  Alguns segundos de silêncio total, quando uma mulher chorando deu um passo à frente. Depois dela, um outro e outro e depois mais um. Quase todos os membros daquela comunidade do mal estavam, por livre e espontânea vontade, pedindo ajuda. Então, os guardas levantaram suas lanças e ficaram em posição de ataque. Henrique, por sua vez, levantou sua espada e os índios armaram seus arcos. O guardião Felipe sacara sua espada e com sua voz assustadora disse: – Você deu sua palavra! Não viemos aqui para lutar, mas se for preciso o faremos, para levar esses seres para uma vida melhor. Nesse momento, a porta de saída se abriu e lá fora estava estacionado o nosso já conhecido ônibus de socorro. pois o Preto Velho chamara apoio telepaticamente. Uma equipe de índios formou um corredor que levava até a porta do ônibus voador. Uma equipe carregando macas desceu e começou a encaminhar para dentro do veículo aqueles que queriam partir. O clima era tenso. O chefe daquele local de dor nada falava, apenas olhava com ódio nos olhos. Um de seus guardas largou a lança ao chão e também se encaminhou ao veículo. Quando o local estava quase vazio, o veiculo fechou suas portas e saiu para a Colônia Recanto de Irmãos onde faria sua primeira parada e depois seguiria para Aruanda. Ainda há tempo para partir conosco Zulu, disse o Preto Velho, João Guiné. – Como sabe meu nome, velho? – disse o chefe da agora pequena Ordem. – Há muito acompanhamos sua jornada na escuridão, Zulu, meu fio. – Então, você sabe que para mim não há esperança e que, depois do grande feito de vocês, meu destino será a segunda morte, pois meus superiores irão me buscar até no inferno, para que eu preste esclarecimentos do que aconteceu aqui. – Sabemos que ocê tem opções, meu fio, e que pode se torná um grande colaborador da causa e ajudá a acabar com este sofrimento todo. Nós o protegeremos e para onde vamos vosso superior será o amor e o trabalho em favor de si mesmo e do próximo, para, assim, a gente não errá mais. Com lágrimas nos olhos, o gigante desabou em um choro dolorido. Seus guerreiros olhavam com espanto para ele. – Mais algum de vocês deseja se libertar das correntes do mal? – perguntou Henrique. Nenhum deles se moveu. O Preto Velho andou com dificuldade até Zulu e o abraçou, dizendo: – Pai de misericórdia, sou apenas um pequeno trabalhador da sua grande seara, porém, me atrevo a pedir por um filho seu que sofre e que de coração pede que mande sobre ele o conforto e o amor. Isso por que sabemos que você, Pai, não abandona a ninguém e que sua justiça não falha. Por isso, Deus de misericórdia, te peço perdão, pelos nossos erros, e que, em nome de seu filho Jesus, possamos caminhar na estrada do bem! Ao acabar sua prece, estavam do lado de João, Ubirajara, da sétima legião de Oxalá, Gabriel, da sétima de Exu, e Samuel, das esferas de Xangô, que, envolvidos por uma luz branca, sorriram e levaram Zulu para a cidade de Aruanda....

2 comentários:

  1. A cada página uma nova emoção e tb uma grande lição.

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    1. Olá, estamos de volta através do link:
      mensageiro-de-aruanda.blogspot.com.br

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