segunda-feira, 30 de setembro de 2013

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Eis que havia chegado o momento. Contudo, nunca sabemos como reagirmos diante de grandes tarefas: eu estava sentindo um misto de medo e ansiedade. Eu sentia medo por ter que voltar a lugares que me fizeram muito mal, às zonas umbralinas, e estava ao mesmo tempo ansioso por rever os meus. Como eu pensara na minha família nos últimos dias! Mas, eu também não tinha certeza de como reagiria a isso e, foi assim, em silêncio, envolvido por inúmeros pensamentos contraditórios, que acompanhei meus amigos até o centro da cidade. Eu estava tão distraído que não percebi que lá já se encontrava estacionado o veículo que nos transportaria durante a missão: um enorme ônibus sem rodas e que flutuava. Ele era branco e ostentava imagens de flechas e espadas, os desenhos dos Orixás. A cena era futurista: uma pequena multidão se formara diante de nós e, conforme fomos nos aproximando, percebi que não era tão pequena assim. Lá estavam vários membros de todas as legiões para nos dar seu apoio. Fiquei curioso e perguntei a João: – Todas as missões recebem este tratamento? Ele sorriu e me disse: – Todos os dias, Ortêncio, partem missões de Aruanda, centenas ou milhares de trabalhadores vão às zonas umbralinas, à crosta terrestre, aos terreiros de Umbanda e de Candomblé, aos Centros Espíritas e aos Cemitérios, em busca daqueles que sofrem, levando o amor de Jesus. Porém, nossa missão é diferente, pois Os Mensageiros de Aruanda, além de fazerem tudo isso, irão também relatar aos que vivem na carne as proezas não só do velho feiticeiro, mas de toda uma nação que luta contra o preconceito religioso e que tenta mostrar ao mundo que não importa o caminho que te levará a Deus, mas, sim, que você trilhe este caminho com amor, compaixão e caridade. Muitos encarnados já nos ajudam, mostrando ao mundo o trabalho de índios, pretos velhos e de tanto outros espíritos que muito são discriminados. Porém, desta vez, Ortêncio Manuel, falaremos diretamente de uma base de Aruanda, falaremos de uma das muitas moradas do pai e, mesmo sabendo que muitos se recusarão a aceitar nossa existência, ainda assim, se entre tais pessoas que nossa mensagem alcançar, uma ou duas orarem por nosso trabalho e se proporem a nos ajudar, com isso já teremos feito muito. Os olhos negros do preto velho estavam marejados e sua emoção contagiou a todos nós, como se com suas palavras tivéssemos ganhado uma energia extra. Então, paramos diante do grande lago com as enormes imagens dos Sete Orixás. A nossa retaguarda encontravam-se os prédios das legiões, a nossa frente a multidão e os bairros e os hospitais de Aruanda. O sol brilhava forte, quando os chefes das Legiões foram à frente e postaram-se ao nosso lado, também se juntaram a nós o restante de nossa comitiva. Todos trajavam suas armaduras, penachos, e como era linda aquela imagem em seu conjunto! O guardião Felipe era o que mais me impressionava, pois era difícil acostumar-me com a presença de uma caveira de dois metros de altura ao meu lado. Foi quando Ubirajara nos falou: – Filhos de Oxalá! Moradores de Aruanda, hoje é um dia especial para todos nós, pois como entoa o hino da umbanda, cantado em todos os terreiros do planeta terra, hoje levaremos ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá. Nossa equipe de Mensageiros terá a responsabilidade de ser nossa voz fora dos terreiros para que outros conheçam nosso trabalho e se libertem do véu do preconceito que há muito se faz presente no coração dos encarnados e desencarnados. Que possamos pedir a Deus, a Jesus e aos sagrados Orixás que iluminem nossos irmãos, para que com nossa ajuda eles possam ser nossos representantes junto aos que vivem na carne. Por isso, peço que as flechas de Oxóssi abram seus caminhos, que o amor de Oxum seja seu escudo, que as águas de Iemanjá sejam seu refúgio na hora do desespero e que a justiça de Xangô seja sua consciência, que a coragem de Ogum não te faça desistir e que a sabedoria de Exu permita-lhes o discernimento necessário, que Omolu os proteja e que Oxalá os guie. Nesse momento, as imagens no lago pareceram ganhar vida, pois delas saiam luzes de diversas cores e que banhavam Aruanda de amor e energia. Nosso veículo, que pairava sobre a multidão desceu no meio dela e um corredor se formou até sua entrada. Henrique foi o primeiro a puxar a fila em sua direção, quando ele deu o primeiro passo, pétalas de flores brancas começaram a cair do alto e a multidão começou a cantar: “Oxalá meu pai proteja esta romaria/Oxalá meu pai proteja esta romaria. Seus filhos que vêm de longe não podem vir todo dia.” Eu estava emocionado e caminhava sentindo o peso da minha responsabilidade e, agora, meus pensamentos tinham mudado, pois o que eu mais queria era ser digno de fazer parte daquele momento, do pelotão, da cavalaria de Ogum. Sete cavaleiros, portando lanças e em trajes de guerra, cercaram o veículo por todos os lados. Eles fariam nossa escolta de honra até os portões de Aruanda. Nosso veículo começou se mover, lentamente, abrindo caminho entre a multidão, passando em frente aos prédios e seguindo para o lado sul da cidade. Eu olhava, admirado, pela janela. Chegamos a um enorme portão de aço branco que lentamente foi se abrindo. Sobre os muros, arqueiros de Oxóssi faziam a segurança da cidade. A poucos passos do portão, havia uma enorme imagem do Cristo Redentor, tão linda quanto a da terra. Nossa escolta nos acompanhou até ela e, quando nos deixou, o veiculo ganhou um pouco mais de velocidade. Então, para minha surpresa, Aruanda revelou-se um oásis em meio ao deserto de uma intensa zona umbralina, na qual surgiram espíritos que se jogavam à frente de nosso veículo, uma verdadeira turba se formou e eu, não acreditando no que via, perguntei: – Não vão abrir os portões para que eles entrem? Estão tão próximos de nós! Felipe respondeu-me: – Acalme seu coração e olhe esta cena com os olhos da sabedoria, Ortêncio, pois se estes infelizes quisessem mesmo entrar já estariam lá dentro, pois o pai não nega socorro àquele que realmente quer ser socorrido. Depois disso, nosso veículo ganhou a velocidade da luz...

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