quarta-feira, 24 de julho de 2013

Página 21

Estávamos em um enorme galpão, onde uma centena de leitos, ou talvez mais do que isso, eram ocupados por seres com todo tipo de enfermidades, ou seja, aquelas que um espírito pode causar ao seu próprio perispírito. Era um verdadeiro cenário de guerra, havia espíritos com várias partes do corpo faltando, com queimaduras e feridas expostas e nas quais se alojavam vermes. Muitos desses espíritos estavam amarados à cama, pois sua agonia os obrigava a se contorcerem, o que poderia fazer com que se ferissem ainda mais. Enquanto caminhava entre os leitos, o sofrimento e a tristeza daquele ambiente tomaram conta do meu ser, até que João Guiné disse-me: – Acalme seu coração Ortêncio, nenhum dos que estão aqui são coitados e pena é um sentimento desprezível, pois os filhos de Deus merecem mais do que isso. Eu chorava e Humberto fazia o mesmo. – Mas, como João? Como espíritos chegam a este estado? – perguntei entre soluços. – O egoísmo, a falta de amor próprio, a prepotência e a falta de conhecimento, Ortêncio, é que propiciam este tipo de experiência. Você mesmo já esteve aqui por alguns dias, não se lembra? A pergunta me chocou e me senti envergonhado. – Ortêncio, você não se lembra, porque sua consciência apenas lhe mostrará isso no momento em que você estiver preparado. O que podemos te adiantar é que antes de ir para o hospital você ficou aqui no setor da cura, uma vez que seu perispírito estava impregnado de energias maléficas e também para a retirada dos chips implantados em você pelas organizações umbralinas – esclareceu Henrique. – Por quanto tempo eu fiquei aqui? – Por um longo e difícil mês, meu amigo. Por isso, não julgue ou mesmo tenha pena daqueles que aqui estão, coloque no seu coração a compaixão, pois é do nosso amor que estes irmãos necessitam e é desse sentimento que são merecedores. O galpão rescendia um forte cheiro de ervas, enquanto uma densa fumaça o deixava com um aspecto sombrio. Índios andavam por todos os lados, cuidando daqueles que tanto necessitavam, pastas eram passadas nos ferimentos e remédios eram administrados, bem como passes eram aplicados e a todo o momento cantos indígenas eram entoados. O verde era a cor predominante na atmosfera e palavras de afeto não faltavam em nenhum momento. Todo o tempo ouvia-se ser falado na fé, no amor e, principalmente, em como Deus era bom. Eu queria abraçar a todos ali e ajudar de alguma forma, quando Henrique falou: – Quando voltarmos de nossa viagem, eu pedirei aos nossos superiores que você passe algum tempo por aqui, para que possa incluir no seu relato o funcionamento detalhado deste local de cura. Eu lhe agradeço Henrique. – respondi. Caminhamos até uma porta de vidro, pela qual visualizamos uma sala cirúrgica, que se encontrava vazia naquele momento. – Por que há uma sala cirúrgica, amigos? Não se pode curar apenas com o magnetismo dos passes? –perguntou Humberto – O passe é grande fonte de energia, amigo, porém, há implantes e mesmo males criados pelo espírito e que são tão profundamente entranhados, que são necessárias intervenções mais profundas. Alguns dos irmãos chegam aqui quase beirando a loucura ou no estado do que chamamos de segunda morte – explicou-nos João. – Segunda morte? O que é isso? – perguntei. – É quando o espírito perde toda a sua consciência, caindo em um estado de loucura e escuridão e, desse modo, acaba se perdendo daquilo que foi e é, tornando-se um ovoide, meu amigo. Entramos, então, em uma sala cheia de tubos de ensaio, com vários microscópios dispostos sobre mesas e em cada uma delas índios misturando ervas e trabalhando alegremente. Nesse ambiente, o branco predominava e ali estavam nossos amigos. Ao perceberem nossa presença todos pararam de trabalhar e, um a um, vieram nos cumprimentar. Os dois últimos que o fizeram eram Pena Branca e Cobra Coral. O primeiro era alto, forte e tinha os olhos castanhos, cor de mel, revelando um sorriso largo e uma voz que parecia um trovão. Já Cobra Coral era um pouco mais baixo, tinha o rosto carrancudo e trazia no braço esquerdo a tatuagem de uma enorme cobra nas cores preta, branca e vermelha. Esse último foi o primeiro a falar, não, a cantar: –Jesus, Maria, José! Mandai-me notícias de onde andou! Eu não dei pelo mundo de Deus! Mandai-me notícia de onde andou! E, assim falando, me abraçou com tanta força que minhas costelas chegaram a doer...

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