terça-feira, 11 de junho de 2013

Página 16

As imagens começaram distorcidas até ficarem nítidas e tão reais que parecia que eu estava vivendo o que se passava ali, naquele exato momento. Um moço de mais ou menos trinta anos, sentado em uma grande mesa, preparava algum tipo de chá com ervas. O local tinha uma aparência medieval, e, apesar de simples, era extremamente bonito. Tratava-se de uma casa de apenas um cômodo grande, onde se via uma cama, o fogão com várias chaleiras e a mesa sobre a qual ficavam as ervas. Eu mal sabia responder o porquê, mas sentia que vendo aquele moço via a mim muito diferente da minha atual aparência: eu então tinha os olhos verdes, a pele branca e um sorriso maldoso nos lábios. Falava sozinho ou com os espíritos maltrapilhos que também se encontravam no interior do local. – Irei ficar rico com meus remédios, pois não é possível que alguém que ajude tanto as pessoas esteja e viva nesta condição precária – dizia o rapaz. Um espírito que logo reconheci tentava se comunicar com ele. Era Ubirajara, que colocou sua mão sobre a cabeça do preparador de remédios e lhe disse: – David, meu amigo, não foi para isso que Deus te beneficiou com este dom. Tenha discernimento e faça o que é certo. Ajude ao próximo como planejamos no plano espiritual, meu amigo. E, por um longo minuto, David se pôs a pensar. – Eu vou destinar uma pequena parte deste chá calmante àqueles que não podem pagar, mas logo o pensamento se perdeu em sua arrogância e na ganância de ser rico e ele começou a pensar em vinhos, queijos e em lençóis de seda. Então, a imagem começou a ficar fora de foco até a tela escurecer por completo e, quando ficou nítida novamente, David já se encontrava em algum tipo de feira, vendendo seus chás e ervas. Diante de sua banca, havia um aglomerado de pessoas que tentavam obter as doses necessárias para o tratamento de várias de suas doenças. Ele sorria com o sucesso e atendia com muita educação aqueles que podiam pagar, porém expulsava aqueles que apenas iam lhe pedir ajuda. Mais uma vez o cenário mudou: David agora estava em uma sala grande com macas e acompanhado de uma espécie de enfermeira. Era um centro de tratamento e lá ele curava, dava consultas e fazia cirurgias, mas também só a quem lhe pagava. Ele havia se perdido na ilusão daquele que busca vantagens apenas para si mesmo. Do lado de fora, mendigos, idosos, mulheres e crianças esperavam para, quem sabe, serem tocados pelo grande curandeiro, mas ele egoisticamente pensava apenas em obter lucro financeiro. Até que as portas se abriram e vários homens vestidos em batinas acompanhados de soldados entraram, levando David. A tela escureceu e as luzes se acenderam. Eric me olhava com piedade, pois eu chorava e lamentava: como eu poderia ter feito aquilo? – Acalme-se Ortêncio, isso é um passado muito distante e nossa intenção não é fazer com que você se sinta culpado, mas estamos aqui apenas para que você recupere alguns dos seus dons. Realmente, esta é uma de suas vidas e você já compreendeu isso não é meu amigo? – Sim – respondi. Naquela altura, eu já havia me lembrado de muito mais que acontecera: da acusação de heresia e do julgamento a que me submeteram, bem como da condenação à fogueira. Também recordei que, apesar dos tormentos na alma, eu logo fora socorrido e viera direto para Aruanda. Comecei a lembrar-me de determinadas plantas, de ervas e de pessoas. Era como se algum tipo de botão em minha mente estivesse sendo ligado e, assim, era como se eu fosse despertando de um sono e, com isso, reativando minha memória. – Ortêncio, gostaria que você prestasse atenção para mais um detalhe e então, novamente, a grande tela começou a projetar imagens nas quais eu via um jovem índio cantando e dançando em um profundo transe no centro de uma grande tribo. Todos estavam alegres e cantavam naquilo que parecia ser um ritual de consagração a um novo Pajé. Mais uma vez, tratava-se de mim, tentando usar bem minha mediunidade, em outra vida. A imagem na tela mudou então para um cenário em que agora mostrava-se o índio dentro da oca, atendendo aos seus irmãos na tribo, manipulando ervas e fazendo pomadas para feridas. As imagens se aceleraram, agora, o índio já não tão jovem, estava rezando, fazendo partos, curando e dando conselhos até que chegou o dia em que o velho Pajé não acordou mais. Desta vez, eu chorava de alegria e alívio pois parecia ter sido uma boa pessoa nesta ocasião. Foi então João Guiné quem falou: – Viu Ortêncio, como Deus é generoso com seus filho e nos dá a oportunidade de aprender cada vez mais? Desta vez você se saiu bem. Não que tenha sido um santo, mas já não usou sua mediunidade para fazer mal ou para enriquecer às custa daqueles menos favorecido. Já não me sentia culpado e comecei, como antes, a relembrar-me de vários episódios daquela e de outras passagens de minha estadia pelo planeta terra. Foi quando Eric novamente falou: – Ortêncio, meu amigo, sua mente vem se abrindo e com mais frequência você recordará de muitas outras coisas. As lembranças de outras vidas virão sem pressa e no momento certo. Aqui, só estamos te mostrando o que mais importa que você saiba para começarmos este novo trabalho. Mas, muito ainda você se recordará e algumas destas experiências só dizem respeito a você. A tela novamente brilhou e eu vi um garotinho sentado em algum tipo de escrivaninha com a mãe que segurava uma pluma em sua mão e lhe ensinava o alfabeto. Era uma cena corriqueira, do dia a dia, mas para mim era muito mais. Ela era a mulher que me ensinara a escrever e, quando me dei conta de quem realmente era, a emoção já se fazia presente em mim: levantei-me e abracei Maria, a quem mais uma vez eu agradeci por fazer parte da minha existência. As cenas pararam. Maria, então, trouxe-me um punhado de folhas e um lápis, segurou em minha mão, como antes o fizera nas imagens na tela, e começamos juntos a escrever. Até que ela soltou minha mão e eu fique colocando minhas emoções e minhas saudades por horas naquelas folhas de papel. Mais uma vez, eu estava escrevendo e como era bom saber ler novamente! Como uma criança eu chorava e sorria e só pensava no orgulho que meus filhos e netos teriam de mim, por eu ter superado na espiritualidade o que na vida material tinha sido uma grande dificuldade. Quando terminei Ubirajara havia se juntado a nós sem que eu percebesse e juntamente com ele estava o Médium que faria parte dessa nova caminhada comigo. Eu levantei-me e ele disse: – Que saudades vô...

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