segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Paginá 38

A casa era protegida por um campo de força de cor verde, que começava dentro do que imaginei ser um ponto para proteção. Logo depois desse ponto, sentado em um tronco de árvore, estava um homem alto, de pele morena e olhos escuros, vestido com uma calça preta e uma blusa vermelha. A sua direita se formava uma grande fila, com espíritos de todos os tipos, e que buscavam atendimento para suas dores. Alguns Espíritos, vestidos de branco e com pranchetas nas mãos, faziam um tipo de triagem e encaminhavam os casos de acordo com suas necessidades. Não pude deixar de notar que, assim como na casa espírita que nos abrigara, ali também era grande o esquema de segurança: formado por índios de lanças e que portavam, cada qual, seu arco e flechas. Nossa comitiva passara pelo campo de proteção sem dificuldades e José se dirigiu ao guardião da casa dizendo: – Laroê, Senhor Tranca Rua das Almas! Deus salve suas forças, irmão! O guardião lhe respondeu: Laroê, Sete Catacumbas, vejo que hoje você é acompanhado por novos amigos e estamos muito felizes em recebê-los em nossa humilde casa. A nossa saudação especial a você, velho Ortêncio. Muito nos orgulha reencontrar alguém que tanto fez por nossa religião e ver que ainda continua na luta. Eu agradeci respondendo: – Eu  me sinto privilegiado por ser lembrado por você, senhor guardião, e ainda mais com tanto carinho. Ele me olhou como se tentasse ler o meu perispírito e me disse: – É, velho amigo, muitas surpresas o aguardam ainda nessa sua caminhada e que apenas está começando. Mas tenha uma certeza, a de que se algum dia você precisar, basta bater o pé três vezes no chão, chamando por mim, e eu estarei lá para te ajudar, velho feiticeiro! – Obrigado – respondi, emocionado pela simplicidade e pelo amor daquele ser tão marginalizado pelas religiões, embora tão respeitado no plano invisível. Entramos no terreiro que acabara de recitar a Prece de Cáritas. Do lado físico, os filhos da Umbanda estavam todos de branco. Como do lado de fora, dentro também tudo era muito simples: o congá era enfeitado com luzes e flores e dali saía energias que banhavam aqueles filhos concentrados no bem. Muitos ainda não tinham noção de suas responsabilidades e, no momento da prece, seus miasmas se desfaziam em uma luz amarela; já outros emanavam luzes azuis do próprio coronário, banhando o restante dos irmãos desse modo, como se fosse uma chuva fraca. Eu não conseguia conter minha emoção e chorava como uma criança. João segurava a minha mão direita. Como sempre, Maria segurava a minha mão esquerda. Foi quando os atabaques começaram a tocar e soou um hino da Umbanda muito conhecido por mim, o Hino de Oxalá: Refletiu a luz divina, em todo seu esplendor. Vem do reino de oxalá onde há paz e amor. Luz que refletiu na terra, luz que refletiu no mar, luz que vem de Aruanda para tudo iluminar. A umbanda é paz e amor, é um mundo cheio de luz, é a força que nos dá vida e sua grandeza nos conduz. Avante, filhos de fé, como nossa lei não há, levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá. Eu desabei de saudades, afinal, depois de 15 anos, eu ouvia o hino que foi a bandeira que carreguei em minha vida material. Luzes saiam de mim e alguns dos encarnados ali presentes, sentindo minha emoção, choravam com suas lembranças daquele terreiro dirigido pelo velho Ortêncio. Os desencarnados também eram contagiados por minha emoção: Henrique e João igualmente choravam, assim como Maria e, para minha surpresa, até mesmo o guardião Felipe, sempre tão sério e firme, se deixara envolver por aquela emoção que não era de tristeza, mas de amor. Amor pelo meu povo, pela Umbanda e pelos Orixás. Então, o som dos atabaques cessou. No plano espiritual, um soldado, vestindo uma capa verde, e que se encontrava ao lado do congá, veio em minha direção. Pena branca ajoelhou-se e começou a cantar: Ô dá licença, ô dono da casa, ô dá licença, amigo meu. Ô dá licença, Senhor Ogum, deixa eu vadiá, no terreiro seu. O soldado estendeu a mão ao Pena Branca que se levantou e o abraçou com carinho. Ele sorriu e disse-nos: Deus esteja com vocês! Sejam bem-vindos, mensageiros de Aruanda, a nossa casa de caridade.

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