quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Página 52

Diante daqueles jovens, nossa tristeza foi aos poucos desaparecendo, pois, diferentemente do espaço externo, o interior daquela casa exalava alguma alegria, tanto pela própria juventude quanto pela vontade de se melhorar daqueles jovens que despertavam para a vida maior. Helena se encontrava emocionada, com seus olhos brilhantes marejados. Todos sorriam e isso nos deixou muito à vontade. Confesso que meu coração sentia saudades dos meus netos, que, aliás, deveriam ter a mesma idade dos jovens que ali se encontravam. Sentamos nas grandes poltronas. João Guiné começou nosso diálogo:  É um prazer, viu fios, sermos recebidos em vossa casa com tanto carinho, ainda mais porque esse Preto Velho sabe da luta de ocês e o quanto os fios vem se esforçando para não caírem em tentação, para superar as dificuldades do além-vida, né? O garoto Felipe, um rapaz com uma beleza europeia, sorriu com os olhos cheios de lágrimas e disse:  Não podemos decepcionar nossos amigos e nossas famílias, senhor João, aqui o que nos faz fortes, além da misericórdia de Deus, é o amor daqueles que torcem por nossa plena recuperação, tanto do lado de cá como no de lá.  Vejo que vocês são jovens conscientes e que já aceitaram suas condições. Então, por que ainda estão em uma clínica como esta e já não foram encaminhados a uma colônia?  perguntou Helena. Nesse momento, um sentimento de vergonha misturado com angústia pareceu ter atingido nossos anfitriões, o que me deixou intrigado. Foi Marco, um negro alto, cuja voz parecia milenar e que era o mais sério de todos, quem nos respondeu, sem levantar os olhos, sem nos encarar:  Ainda não estamos em condições, Helena, atentamos contra nossas vidas e por isso nosso tratamento é diferenciado, não foi nada fácil chegar até aqui e cada dia é um dia. Hoje somos uma equipe de jornalistas do além, acompanhados por tutores e sob regras severas, levamos notícias do além ao plano dos mortais e daquele plano para aqui, o além, a todos os jovens que pensam em fazer ou que fizeram o mesmo que nós. Embora esse trabalho nos ajude muito, aqui passamos ainda por vários outros tipos de tratamentos, e temos regras e horários diferentes dos que são oferecidos em uma colônia normal. Humberto, que mudara sua feição e deixara transparecer sua reprovação em relação àqueles jovens, lhes disse:  Vocês são suicidas, pois não deveriam estar sofrendo e pagando pelo erro que cometeram? Giovana, uma linda moça morena de cabelos vermelhos, que nos chamava a atenção devido seus grandes olhos castanhos e por ter o nome de sua mãe inscrito no braço esquerdo, com lágrimas escorrendo pela face, respondeu em tom severo:  Senhor, e quem lhe disse que não estamos sofrendo? Quem lhe disse que não estamos aqui envergonhados por nossa fraqueza e, sim, sofrendo a consequência daquilo que nós mesmos criamos? Assim lhe parece, apenas por que não estamos em um vale escuro, cheio de dor e de gritos, ou por que não estamos sendo chicoteados e acusados? A verdade é que despertamos nessa vida, já como marginais, inclusive somos tratados assim por vários espíritos, mas não por Deus, nosso pai, que nos dá uma nova chance a cada dia, os vales dos suicidas que tanto os humanos presam na literatura não são um terço daquilo que realmente acontece dentro de nós. Não são diferentes das dores que sofremos em consequência do nosso egoísmo. Aprendemos aqui que de nada irá adiantar o sofrimento eterno, se não nos levantarmos para construirmos uma nova vida e é essa oportunidade que temos hoje. Poderíamos passar uma vida contando da escuridão que se fez dentro de nós, porque todos aqui nessa casa vêm de famílias que conheciam as doutrinas do além-vida, pois nossas dores e sofrimentos em nada ajudaram os que ainda se encontram perdidos na escuridão. No entanto, mesmo nossa pouca força em recomeçar, mesmo ainda doentes, mesmo marginalizados, e cheios de culpas, ainda assim temos conseguido ajudar a outros e a melhorar nossas próprias condições. Felipe se levantou e disse-nos:  Venham vamos lhes mostrar algo, amigos. Ele se dirigiu a um dos quartos, abriu a porta e eu quase caio para trás com o que vi: era um minicemitério, onde sobre uma lápide preta um jovem, vestido com roupas negras e rasgadas, dormia um sono agitado. Ali, o cheiro de putrefação era quase insuportável. Também chovia muito lá dentro, a dor era terrível, e de nossa equipe apenas João guiné e Maria conseguiram entrar, o restante parou diante da porta. Humberto se ajoelhara, como se a dor o transpassasse como uma espada, enquanto gemendo pedia a misericórdia de Deus. Eu me apoiara no jovem Marcos, pois me sentira sufocado, quase sem ar. O jovem Fernando, que até agora se mantivera calado disse-nos:  Senhores esse é o quadro mental de um de nossos irmãos que acabou de ser socorrido por nossa equipe, ele ainda não se deu conta de seu estado e sua mente criou tudo o que seus olhos veem. Então, nosso amigo João Guiné e o Dr. Tomazine levantaram as mãos para o alto e uma fumaça branca foi desfazendo a escuridão, enquanto o quarto foi tomando ares hospitalares. Foi quando uma dezena de aparelhos, antes invisíveis aos nossos olhos e que estavam ligados ao enfermo, agora se faziam presentes, permanecendo conectados àquele ser, que continuava a dormir. O terror que sentíramos havia passado, mas a densa energia ainda se fazia presente no ambiente. Humberto e eu conseguimos nos recompor.  Agora, amigos, podemos saber um pouco mais desse nosso irmão.  disse-nos Maria... 

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