quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

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Refletiu a luz divina
Com todo seu esplendor
Vem do reino de Oxalá
Onde há paz e amor

O quanto somos orgulhosos é o que define o que seremos no mundo espiritual. Este momento da minha vida e que conto aqui a vocês é um dos que mais me envergonho na minha atual condição. Eu imaginava que morrer seria um tormento, que seria um momento de dor, só que estava enganado, pois, para mim, o momento de maior dor viria após a morte do corpo físico. Confesso que de muito não me lembro, mas, ao entrar no hospital naquele dia de sol, diversas sombras passavam pela minha visão. Logo imaginei que isso fosse devido a dor que eu sentia no corpo físico. Não era. Uma quantidade de espíritos já estava esperando que eu ali chegasse e, por alguns momentos, os percebi. Mas, logo tudo ficou escuro, parecia que eu estava em um sono profundo. Junto com meus pensamentos, gritos ecoaram em minha cabeça. Contudo, aquilo parecia um sonho. Enquanto ouvia as pessoas me chamarem, alguns mais contidos – "Padrinho, por que padrinho?","O que vamos fazer agora?" –, eu queria levantar, mas não sentia meu corpo. Então, comecei a ficar desesperado. Com o passar das horas, algo me acalmou: luzes verdes clarearam a escuridão. Maria, minha esposa, com seus cabelos amarrados para traz e usando um vestido branco, se aproximou de mim. Não podia ser, pois se ela estava morta! Aquilo só podia ser um sonho. Ela passou a mão em minha cabeça e disse: – Manoel, é hora de ir embora, seu corpo físico já não vive e precisamos da sua ajuda para cortar os últimos fios que o prendem a ele. – Você está louca mulher? Isso é só um sonho! – foi minha resposta. Maria sorriu com amor e, mais uma vez, colocou sua mão em minha testa. Dela saíram jatos de luzes coloridas e, então, eu pude ver meu corpo em uma urna fria. Também pude ver Antônio, meu amigo padre, com lágrimas nos olhos, enquanto jogava água sobre a urna. Meus filhos, netos e mais uma centena de filhos do terreiro cantavam o hino de Oxalá: este era o cenário do lado físico. Do lado espiritual, guerreiros vestidos com armaduras e capas vermelhas, armados de lanças e espadas não deixavam que espíritos maltrapilhos se aproximassem do meu corpo. Em alguns momentos, eles investiam contra estes guerreiros gritando e pedindo vingança: "Ele é nosso por direito", “Fizemos muitos favores para ele", “Nos entreguem o velho feiticeiro”. Outra equipe de espíritos apenas assistia a tudo, pareciam estar em oração. Entrei em desespero, me faltou o ar, comecei a me sentir sufocado: “Não, eu não posso estar morto!”, pensava. Enquanto ouvia tudo aquilo, a revolta tomou conta de mim, porque eu ainda tinha tanto a fazer! Gritava o nome dos meus netos e filhos, mas era impossível eles me ouvirem e, novamente, tudo ficou escuro. Agora, minha cabeça doía, meu estômago também e as vozes eram mais fortes: ouvia as pessoas comentarem sobre mim, sentia a dor dos mais próximos e o descaso daqueles que só estavam ali para acompanhar o evento e ter prazer com a dor alheia. Mais um momento de lucidez e mais uma vez Maria se aproximou, enquanto nesse momento eu chorava e queria ajuda para me levantar. Uma música pedia para eu acordar. Música que veio com tanta energia e amor que meu corpo, mesmo sem vida, reagiu e lágrimas de sangue rolaram por um rosto já frio e parcialmente desfigurado, tanto pela carga de energia que recebia, como também por minha luta para nele continuar. Nesse momento, benfeitores espirituais trabalhavam com equipamentos cirúrgicos e cortavam meus últimos laços com o corpo. Dois espíritos se aproximaram de mim: um negro muito alto de barba branca e uma mulher loira de vestido azul. Ambos posicionaram suas mãos sobre mim e a escuridão foi total.

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